Maria Elisa Lacerda Ribeiro, minha tia paterna. Era aquela que nos recebia com o peito aberto nas férias. Arrastava e apertava os próprios filhos para dividir o espaço com meus pais, irmãos e eu. A frequência com que íamos para sua casa fazia com que fosse a nossa tia preferida (sem desmerecer nenhuma das outras).
Descobriu o câncer de mama aos 42 anos. Tratou-se, porém mais tarde ele voltou e a levou de nós. A amizade dela com minha mãe era algo admirável. Amigas até o fim. A promessa de olhar pelos filhos, sempre que pudesse, até que eles tivessem condição de seguir a própria vida. Promessa cumprida.
Meu pai quase foi com ela, não fosse a responsabilidade com minha mãe, meus irmãos e eu. Não me lembro de ter visto meu pai tão triste. Não é natural enterrar pessoas queridas mais novas que nós. Ele demorou a refazer-se.
Já faz quase 20 anos que meu pai também se foi.
Alguns meses depois que me despedi dele, tive 3 dias de sonhos seguidos com ele me pedindo pra ir ver o que era o cisto no seio esquerdo. Na primeira noite atribuí aquele sonho à uma novela que trazia o tema e alertava sobre a importância da autoexame. Apalpei-me e nada. Segunda noite, o mesmo sonho. Terceira noite, de novo. Enfim, admiti o conselho e marquei o ginecologista. Contei ao médico o sonho e ele examinou-me no próprio consultório e nada encontrou, mas devido o alerta e o quanto estava impressionada com os sonhos seguidos e ainda ao histórico de minha tia, contrariou o fato de eu ainda não ter completado os meus 40 anos, e pediu-me os exames : ultrassonografia mamária e a mamografia.
Não é um exame agradável a tal mamografia. Senti muita dor e achava que aquilo de alguma forma pudesse significar algo ruim. Até o dia do retorno ao médico a minha cabeça criou muitos cenários trágicos. Olhava para os meus filhos pequenos e pensava se eu também teria a mesma interrupção que minha tia. Até o dia do retorno senti pontadas no seio, como nunca tinha acontecido. Impressionante a forma como nós somatizamos.
Não abri os exames como tinha hábito. Temia pelo que ele pudesse entregar.
No dia da consulta a taquicardia. Ao entregar-lhe os exames ele leu o resultado do ultrassom com uma expressão tranquila, o que causou a mim o mesmo alívio. Porém, ao projetar o resultado na mamografia....lá estava ele, no seio esquerdo, como meu pai alertara. Meu médico disse que o aspecto e tecido que o exame entregava não apresentava característica que apontasse ser maligno, mas me recomendou ao mastologista.
Lá fui eu. Mais exames e a punção. Outro prazo de angústia ao diagnóstico. Taquicardia e medo.
Tudo bem no final.
Desde então, monitoro anualmente. Ele está lá ainda, mas continua com mesmo tamanho e aspecto. Até hoje o ultrassom não o vê.
Quero aqui mudar a visão sobre o que isso significa pra mim.
Há quase 20 anos vivo o meu dia a dia de uma forma diferente. Desde o primeiro exame procuro agradecer pela saúde e atentar-me para a oportunidade de poder ver os meus filhos crescerem sem a sombra do que esta doença poderia me privar. Assisti feliz e saudável o crescimento de filhos e sobrinhos. Vi meus filhos formarem-se na faculdade, minha mãe tornar-se bisavó e aguardo, com paciência, a minha vez de embalar um neto.
Fiz amigos e os preservei. Tornei-me uma profissional na minha área e conquistei o respeito de pessoas que admiro.
Todos os anos me submeto ao exame, e ainda hoje sinto o desconforto que apenas algumas mulheres sentem, e até que a medicina encontre uma outra forma de fazer um diagnóstico tão preciso, é lá que estarei para garantir que a saúde continue a me acompanhar e eu não seja privada das grandes emoções da vida.